quarta-feira, 17 de março de 2010

Excelente Texto do Professor Luis Fernando, leiam!

Professor@s, vocês sabem que jogo é este?

É estranho percebermos como nossa vida – pelo menos, a profissional – não está em nossas mãos. Cada dia nos mostra o quanto fazemos parte de um jogo no qual pouca decisão temos, mesmo sendo a parte mais significativa no processo. Poderiam até questionar esta minha ideia, talvez dizendo que os alunos seriam a parte mais importante; mesmo assim, reforço tal pensamento. Os professores são os que fazem a educação acontecer junto dos alunos, mas sem alunos, os mestres ainda são os mesmos, com toda a carga de conhecimento adquirida e, ainda assim, podem crescer sempre mais; já os alunos, sem quem os guie no conhecimento, continuarão a ser os mesmos que, com todos os caminhos à frente, podem se perder nas possibilidades de escolha. Se acabássemos de uma vez com todos os professores que existem, todo o processo educativo deveria ser reiniciado do zero, pois não adianta dizer que livros substituem os profissionais – livro acumula conhecimento, mas não faz reflexão e a reflexão humana é um processo que se desenvolveu até chegar ao ponto no qual estamos hoje.

Bem me recordo do que um dia li em uma camiseta, dizendo mais ou menos assim: "sem médico não há saúde; sem engenheiro não há desenvolvimento; sem advogado não há justiça. Sem professor, não há nem médico, nem engenheiro e nem advogado". A ideia não é apelar para um sentimentalismo, mas refletir verdadeiramente o quanto está presente este profissional – que somos – na sociedade como um todo, e sua importância. Quem não se lembra de algum grande mestre que teve em sua vida, alguém que acreditava em nós e nos impulsionava a buscarmos sempre mais do que podemos ser – e, às vezes, até mesmo nos mostrando o que tínhamos condições de ser, mesmo que não acreditássemos tanto. Foram e são significativos, construindo vidas e sonhos que fazem a realidade; nós somos a realidade hoje e, da mesma maneira que alguém nos moveu, tentamos usar bem nossas forças para movermos outros tantos que estão em nossas mãos. Mas não depende apenas de nós... o processo é bem mais complicado do que possa parecer.

É revoltante percebermos que, em um momento como este, de greve, ainda muitas pessoas sejam ignorantes de toda a situação. Poder-se-ia dizer que apenas defendo algo por fazer parte do grupo em questão, mas não vejo assim: escrevo sobre uma situação que bem conheço. Vejo telejornais que, de início, parecem se posicionar de maneira neutra, apenas mostrando um fato; quando percebo, apresentam comentários e opiniões que, implicitamente (às vezes, descaradamente), põem nosso movimento em descrédito. Quanta falta de verdade é propagada e quanta ideia é manipulada por aqueles que detêm os meios necessários para isso.

A grande massa da sociedade não tem condições de refletir profundamente sobre toda a situação. E por que não? Simplesmente porque a ela não foi oferecida uma educação de qualidade. A culpa é minha e de meus colegas de profissão, então? Claro que não. É culpa de um sistema que não está interessado em formar pessoas inteiras, mas sim operários que não refletem, mas produzem e obedecem, que "fazem o Brasil crescer" (só se for crescimento nos índices de péssima qualidade em educação). Mas damos afeto... Isto é risível, pois o simples fato de receber carinho não tem a força necessária para construir uma pessoa; o afeto simples não transforma um animal racional em ser humano. É como se disséssemos: "caros alunos, vocês não receberão instrução alguma, mas saibam que se sentirão amados! Vocês não conseguirão vencer na vida, pois dificilmente conseguirão ingressar em uma faculdade, mas se sentirão queridos! Vocês serão passados para trás todas as vezes que isto for possível, serão esquecidos como uma massa anônima, mas sentirão que têm valor!" E, para completar, podemos dizer a eles: "ainda damos livros e caderninhos de atividades que construirão o conhecimento de vocês".

Educamos para quê? Simplesmente pelos índices, que não sabemos o quanto revelam da realidade? Realmente parece ser este o objetivo de quem decide a educação. Um único profissional faz diferença? Claro que sim, mas em um âmbito muito reduzido; é preciso que os professores se mostrem, utilizando a força que têm para modificar a situação. Mas vemos que o governador bem conhece os seus professores, quando afirma que espera, mais uma vez, que os professores não se unam... E muitos ainda não se posicionaram positivamente pela luta... É triste ver tamanha desunião disfarçada com um discurso de "cada um sabe onde a situação aperta"; eu sei que minha situação aperta em várias frustrações que o sistema causa – além do bolso apertado, é lógico. Mas, bem sabemos que é quase sempre assim: se ganharmos, quem não se envolveu vai ganhar igualmente, sem tem lutado e sem ter de sofrer as consequências.

Em um telejornal, uma mãe de aluno dizia achar importante que os professores lutassem por seus direitos, mas que tentassem de outra forma, para que os alunos não fossem prejudicados (por exemplo, com o conteúdo que perdem ou com reposições aos sábados). É triste perceber que, realmente, a população que mais se utiliza do ensino público é a que menos tem visão do todo. Em primeiro lugar, é preciso saber que a luta não é apenas por salários: buscamos, acima de tudo, melhores condições de trabalho – o que, por conseqüência, levará à possibilidade de uma nova educação. A luta é para que a classe não continue perdendo cada vez mais de seus direitos, pois direitos conquistados são a vitória do passado que não pode ser perdida por meio de posturas ditatoriais de jogos que pouco se interessam na existência ou não de uma boa educação.

Ainda quero pensar um pouco esta situação sob a ótica de um texto bastante conhecido: Discurso da servidão voluntária, de Etienne de La Boétie, o século XVI. Ele se pergunta como podem muitos homens obedecer apenas um, sem se unirem para lutar por sua autonomia? Ele afirma que "não é preciso combater esse único tirano, não é preciso anulá-lo; ele se anula por si mesmo, contanto que o país não consinta a sua servidão; não se deve tirar-lhe coisa alguma, e sim nada lhe dar; não é preciso que o país se esforce a fazer algo para si, contanto que nada faça contra si". O que é triste de se notar é que muitos consentem servir voluntariamente... Aceitar o jugo é comum para muitos e já é fazer algo contra si. E ainda mais: "os audaciosos não temem o perigo, os avisados não rejeitam a dor; os covardes e embotados não sabem suportar o mal nem recobrar o bem, limitam-se a aspirá-los...". Os professores precisam deixar de aspirar a melhorias para, realmente, lutar por elas; pelo que a maioria deseja, não poderia ser somente uma parcela a lutar. E por que o medo de lutar, se "aquele que vos domina tanto só tem dois olhos, só tem duas mãos, só tem um corpo, e não tem outra coisa que o que tem o menor homem do grande e infinito número de vossas cidades, senão a vantagem que lhe dais para destruir-vos"? Ou seja, muitas vezes, monstros são construídos sem o serem realmente. Nós temos força e devemos perder o medo. Muitas vezes, nós nutrimos as forças de um sistema que não se mostra do lado daqueles que mais precisam. E quem mais precisa? A grande população que está a nossa frente, que depende do ensino público.

Enfim, podemos dizer que este é o momento para fazermos algo? Claro que não! Não apenas este momento, pois todo momento é momento de lutarmos por algo melhor. Se não fizermos nada, quem fará? Aqueles pais de alunos que, muitas vezes, apenas despejam seus filhos nas escolas? Claro que não; são eles que apenas reclamarão em situações como esta – estes pais, que nem têm condições mínimas de avaliar a situação; eles, talvez, nem saibam o nível de instrução que o sistema oferece a seus filhos...

Apenas nós, professores, sonhamos acordados, acreditando que uma nova e verdadeira educação é possível. Nós, que, com esforço, tentamos dar o máximo de nós para que cada um de nossos alunos tenha condições de se tornar verdadeiro ser humano, com dignidade. Nossa luta não é por nós apenas, mas assumimos um caminho incerto que pode trazer mudanças; nossa luta é por nós e por toda a educação; nossa luta é, no fundo, pela humanidade, pois entendemos que pessoas com melhor nível de educação podem construir um mundo melhor não apenas para a raça humana.

À parte qualquer jogo político, luta de classes ou briga de sindicatos, somos professores, únicos em nosso ofício a lutar sempre mais, com esperança sempre viva. Na verdade, nossa esperança maior é a de que toda a classe seja unida e brigue junta. Quem sabe se falarmos um pouco, refletindo mais, sejamos construtores de uma nova realidade... Eu assumo a luta e o risco, sem ser melhor que ninguém por isso. Não sou mesmo o dono da verdade (nem queria ser – deve ser um peso enorme)... Como Sócrates diria: "Só sei que nada sei". Mas sei.

Luís Fernando Crespo
Professor de Filosofia
Mestre em Ética

crespo_lf@yahoo.com.br

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